Posts Tagged ‘Filosofia’

Ainda sobre Filosofia e Sociologia

junho 7, 2008

Lendo o Avelar, como faço diariamente, topei com este seu comentário sobre a nova medida e, ainda, com a declaração de Giannotti. Como o assunto me interessa, tanto que postei a aprovação no dia, quero fazer mais alguns adendos:

1) De fato, Avelar tem razão ao dizer quão ilógica é a posição que pressupõe que não se deve mudar nada até que se possa mudar tudo. “Mudar tudo” demanda tempo – leia-se gerações -, o que privaria sem real motivo os atuais discentes de ao menos tomarem contato com algo que se chama filosofia. Práticas educacionais não podem esperar o fim da história ou a sociedade sem classes, ainda que se configurem como ajustes mínimos (sendo altamente discutível a questão sobre quão mínima é re-inclusão das disciplinas acima citadas). A acreditar em Aristóteles – e no livro alfa de sua Metafísica -, o to thaumázein, o espanto, ainda é o primeiro motor da atividade filosófica e se impõe frente a toda discussão política (esta sim impregnada, por vezes, da vacuidade que imputam à filosofia). Assim, simplesmente não encontro sentido na pergunta que Giannotti se faz acerca de como ensinar filosofia para quem não aprendeu a raciocinar. Não seria esta uma das nobres tarefas da filosofia? Despertar o amor pelas diáiresis e synagogés (Fedro, 266B)? Ou a filosofia contemporânea, isto é, feita atualmente não deve mais ser semelhante a Eros e, portanto, desejante? Deveria ser reduzida a um “fazer discursos bem articulados” que talvez falem do Amor (ou de quaisquer outros temas) sem estar ele mesmo enamorado. O germe inicial da reflexão é aquele mesmo da filosofia. Então, como pedir uma multitude de pressupostos?

2) Mas lendo a declaração do professor Giannotti não posso deixar de concordar com algumas coisas. Diz o professor:

A meu ver, há coisas mais importantes, que são prioridades, do que ensinar filosofia. Em particular ensinar português, como todos sabem, além de física, biologia, matemática, história, geografia… Isto é, se situar no plano da linguagem, da ciência e da temporalidade. Coisa que a maioria dos professores de ensino médio não é capaz de fazer. Nós vamos gastar tempo e esforço em coisas subsidiadas ao invés de focar no fundamental.

Desbastado o elemento apontado no tópico acima, que não admite um pequeno ganho se não for acompanhado do resultado total, resta ainda algo a ser focalizado no que diz o professor (e não creio que isto seja sinal de um juízo sobre a indignidade ou incapacidade dos jovens para a filosofia, como aponta Avelar).

A questão é que não temos bons professores de português, matemática ou física. Há sim muitos bons professores de gramática, cálculo e fórmulas. Com isso quero dizer que não se ensina nos colégios o pensamento sobre a linguagem ou a literatura, a reflexão sobre os números e suas relações nem tampouco a entender a physis. Há poucos dias fiquei surpreso com a reação de um colega, professor de matemática que ria largamente da investigação de Frege tendo em vista responder a pergunta “o que são números?”. O colega soltou uma definição ridícula (desmontada por Frege com muito senso de humor, diga-se de passagem, em um parágrafo de seu Fundamentos da Aritmética) e caçoou da inutilidade de tal esforço.

Dessa forma, a filosofia ensinada por professores de filosofia medíocres, estaria reduzida a um mero contar de sua história ou, ainda, a um procedimento mecânico de associações de noções jamais verdadeiramente entendidas. O que, visivelmente, nos faria recair na concepção de filosofia como simulacro de qualquer coisa séria.

Diz ainda o professor:

As pessoas vão começar a estudar os pré-socráticos, falando de Tales, depois Parmênides, Platão, Aristóteles e se chegar aos estóicos vai ser muito. Teremos um curso de filosofia que vai se resolver numa “decoreba” danada.

Como já apontei aqui, mesmo o currículo “oficial” é um piada. Vai de Tales a Wittgenstein em um ano. Isto serve bem ao propósito de escamotear a falta de nível dos professores, bem como àquele de fazer da filosofia um apêndice de (falsa) erudição e não um espaço de intervenção reflexiva em todos os domínios das ciências (e portanto nas outras disciplinas) assim como na vida do próprio aluno. É esse élan que cega profissionais de educação que falam tanto de “interdisciplinariedade” sem ver que é a filosofia, como scientia rerum per causam ou como verdadeira epistéme é a base para a concreta relação entre as disciplinas e, destas, com a vida.

Voltaremos a isso.

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Células-tronco e as perguntas certas

março 4, 2008

No próximo dia 5 de março, quarta-feira, será julgada a constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias pelo STF. Há tempos que se vêem longos debates e embates. Em sua maioria, os cientistas têm como principal argumento a possibilidade de que, com a abertura às pesquisas, inúmeros avanços podem ser alcançados e que, portanto, não permitir tais pesquisas é um retrocesso ou, ao menos, uma cegueira científica que, por sua vez, teria sua gênese em posturas ideológicas questionáveis – leia-se pressupostos religiosos – em relação aos futuros benefícios. Do lado oposto, vê se a hierarquia da Igreja Católica evocar o argumento da preservação da vida do embrião que não deve ser descartada em vista das pesquisas.

Entretanto, embora se fale muito sobre a questão, pouco se atinge o ponto central: não se trata de discutir os possíveis avanços implicados na possibilidade de pesquisa mas, sobretudo, de decidir o estatuto ontológico do embrião, ou seja, o que vem a ser um embrião para que, posteriormente, possam ser discutidos seus direitos e, portanto, seu futuro. Sob este ponto de vista, é a Igreja que acerta ao propor incessantemente este debate que subjaz à cortina de fumaça do progresso técnico-científico. Deve-se então reconduzir o debate à verdadeira questão que não é a do impedimento ou não da “locomotiva do progresso” – como a imprensa mesma tem aventado -, mas a pergunta tão imediata e por isso pouco pensada, “o que é um embrião?”

Assim, ainda que se pense tocar na pergunta certa, comete-se um erro. É preciso dizer que, quid iuris, a pergunta pelo que se deve fazer com os embriões congelados e que não serão implantados em úteros não é um problema a ser respondido pela Igreja. Tenta-se invalidar a posição dos prelados pela ausência de resposta a este problema que se imporia como o verdadeiro, já que os embriões estão aí e seus destinos constituem uma dúvida de fato. Entretanto, dado que a Igreja considera haver nova vida já na fecundação, processos que a emulem fora de condições diversas daquelas nas quais o embrião se desenvolveria até os estágios mais avançados normalmente, caem fora da posição julgada correta. Dessa forma, ela pode – e seria bom que o fizesse – se imiscuir nesses debates, mas ciente de que a responsabilidade última de lidar com esse problema não é dela.

Leia mais sobre a posição da Igreja no site da CNBB.

Assista a TV Justiça online, aqui.


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Dois fragmentos para um sábado

março 1, 2008

Rembrandt, Jeremias lamentando - detalhe

“In the language of abstraction the difficulty of existence and of the exister never comes to light. …Thus abstract thougth helps me with my immortality by killing me off as a particular existing individual… helping me much as the doctor in Holberg who killed the patient with his medicine – but also got rid of the fever.”

“If a dancer could leap very high, we would admire him, but if he wanted to give the impression that he could fly – even thoug he could leap higher than any dancer had ever leapt before – let laughter overtake him. Leaping means to belong essentially to the earth and to respect the law of gravity so that the leap is merely the momentary, but flying means to be set free from telluric conditions, something that is reserved exclusively for winged creatures, perhaps also for inhabitants of the moon, perhaps – and perhaps that is also where the system will at long last find its true readers.”

Kierkegaard, S. Afsluttende uvidenskabelig Efterskrift til de philosophiske Smuler. Mimisk-pathetisk-dialektisk Sammenskrift, Existentielt Indlæg

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Sobre Dawkins e delírios…

fevereiro 29, 2008

Por esses dias, andei dando uma olhada novamente do livro de Richard Dawkins, The God Delusion, bem como lendo algumas coisas relacionadas por aí. Chega a ser enervante a complacência com o livro. Ergo:

1. O tratamento dado por Dawkins no capítulo 3, sobre as provas filosóficas da existência de Deus, chega ser ridículo. A começar pela linguagem que o autor utiliza ao tratar, por exemplo, do argumento de Santo Anselmo, no Proslogion. O autor diz:

“Let me translate this infantile argument into the appropriate language, which is the language of the playground.” (p. 80)

Vejamos: será que de fato a linguagem infantil do playground é a mais apropriada para lidar com um argumentos tratado rigorosamente por filósofos como Descartes, Kant ou Hegel? Prefiro apostar que não. Para além disso, sou terminantemente obrigado a discordar do prof. Idelber Avelar que, em um post sobre o livro, diz que Dawkins não pode ser acusado de não conhecer a fundo as “sutilezas” da argumentação dado que, de certo modo, a priori, ela é falsa ou, como comenta Avelar, que tal acusação seria análoga àquela que exigiria que um autor que se propusesse a refutar a astrologia, tomasse profundo conhecimento de sutilezas de posturas astrológicas contrárias. Entretanto, há aqui no argumento de Avelar (e talvez entre também no rol de falácias de Dawkins) uma pequena falácia: de fato, dado que as diversas tentativas de se provar a existência de Deus pela razão, sobretudo com argumentos a priori, caem em erro, questionar pelo conhecimento das finezas dos diversos argumentos que procuram provar a existência de Deus não é absolutamente relevante. Entretanto, falta aqui um termo médio: não está dado de antemão que tais tentativas são falsas. O objetivo do capítulo de Dawkins é, justamente, provar o erro e a inconclusividade presentes nos argumentos para a existência de Deus (S. Tomás, S. Anselmo etc.). É assim que ele descreve, no final do capítulo anterior, o próximo movimento de seu texto:

“But first, before proceeding with my main reason for actively disbelieving in God’s existence, I have a responsibility to dispose of the positive arguments for belief that have been offered through history.” (p. 73, destaque meu)

Assim, não é possível apelar para o fato de que os argumentos são inconclusivos para justificar a ignorância de Dawkins sobre eles. Em outras palavras, o autor só poderia prescindir de conhecer a fundo os argumentos se não fosse sua empreitada provar, exatamente, que são falsos.

2. Por falar em Kant, Dawkins saca o alemão da manga como aquele que viu o truque escondido no argumento anselmiano. Não quero me estender sobre a argumentação de Kant sobre o argumento ontológico na Crítica da Razão Pura, o que exigiria todo um preâmbulo sobre o projeto kantiano da Crítica, bem como explicitar todo o périplo do debate sobre os conceitos de essência e existência. Apenas quero manifestar que Dawkins também parece não conhecer o movimento da argumentação de Kant. Ele simplesmente diz que “existência” não é uma perfeição sem apoiar a análise na negação kantiana de que “existência” é um predicado real e, portanto, ele só diz algo sobre a posição (positio) do objeto e pede para ir além disso, uma intuição sensível que, por definição, é impossível no caso de Deus. Ora, a refutação de Kant advém de sua concepção de “existência” que está longe de ser unívoca na história da filosofia. Basta dizer que depois dele, Hegel retoma o uso do argumento a partir de pressupostos distintos dos de Kant. Assim, a apropriação que Dawkins faz de Kant não diz nada, já que nem explicita os seus pressupostos (coisa que alguém como Kant jamais deixaria de fazer)

3. Uma última palavra sobre o movimento argumentativo geral do livro: será que apontar inúmero problemas das religiões (como explicitamente Dawkins faz em 6 dos 10 capítulos) é um bom argumento para se mostrar que Deus é um delírio? Mas como já lembrava Kierkegaard, Mundus vult decipi ( o mundo quer ser enganado).

Baixe o livro de Dawkins aqui (em inglês).

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