Células-tronco e as perguntas certas

No próximo dia 5 de março, quarta-feira, será julgada a constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias pelo STF. Há tempos que se vêem longos debates e embates. Em sua maioria, os cientistas têm como principal argumento a possibilidade de que, com a abertura às pesquisas, inúmeros avanços podem ser alcançados e que, portanto, não permitir tais pesquisas é um retrocesso ou, ao menos, uma cegueira científica que, por sua vez, teria sua gênese em posturas ideológicas questionáveis – leia-se pressupostos religiosos – em relação aos futuros benefícios. Do lado oposto, vê se a hierarquia da Igreja Católica evocar o argumento da preservação da vida do embrião que não deve ser descartada em vista das pesquisas.

Entretanto, embora se fale muito sobre a questão, pouco se atinge o ponto central: não se trata de discutir os possíveis avanços implicados na possibilidade de pesquisa mas, sobretudo, de decidir o estatuto ontológico do embrião, ou seja, o que vem a ser um embrião para que, posteriormente, possam ser discutidos seus direitos e, portanto, seu futuro. Sob este ponto de vista, é a Igreja que acerta ao propor incessantemente este debate que subjaz à cortina de fumaça do progresso técnico-científico. Deve-se então reconduzir o debate à verdadeira questão que não é a do impedimento ou não da “locomotiva do progresso” – como a imprensa mesma tem aventado -, mas a pergunta tão imediata e por isso pouco pensada, “o que é um embrião?”

Assim, ainda que se pense tocar na pergunta certa, comete-se um erro. É preciso dizer que, quid iuris, a pergunta pelo que se deve fazer com os embriões congelados e que não serão implantados em úteros não é um problema a ser respondido pela Igreja. Tenta-se invalidar a posição dos prelados pela ausência de resposta a este problema que se imporia como o verdadeiro, já que os embriões estão aí e seus destinos constituem uma dúvida de fato. Entretanto, dado que a Igreja considera haver nova vida já na fecundação, processos que a emulem fora de condições diversas daquelas nas quais o embrião se desenvolveria até os estágios mais avançados normalmente, caem fora da posição julgada correta. Dessa forma, ela pode – e seria bom que o fizesse – se imiscuir nesses debates, mas ciente de que a responsabilidade última de lidar com esse problema não é dela.

Leia mais sobre a posição da Igreja no site da CNBB.

Assista a TV Justiça online, aqui.


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9 Respostas to “Células-tronco e as perguntas certas”

  1. Fernando M Mendonça Says:

    Olá, gostei do post.
    Creio que tanto a ciência, quanto a, frequentemente ignorante, imprensa julgam o caso mediante uma idéia filosófica e historicamente falsa, a saber a superioridade teórica da ciência, como a instituição detentora da última palavra sobre a verdade. É claro que as raízes dessa concepção se encontram no positivismo científico, que tanto influenciou e influencia a formação jurídica brasileira.
    O post coloca bem o caráter hipotético dos avanços científicos que as pesquisas podem trazer, pois não há ainda nada que comprove que verdadeiros avanços ocorrerão na medicina com a adoção de tratamentos sobre células tronco embrionárias que não ocorram com células tronco de adultos.
    Certamente a Igreja deve participar do debate, mesmo por que ela é uma instituição que consegue ter coerência discursiva sobre o tema, o que a ciência, por exemplo, não tem, pois nem mesmo instituição a ciência é.
    Como você, penso que a “locomotiva do progresso” não pode atropelar o devido debate ,ao menos ético, senão ontológico, sobre o tema.

  2. G. Ferreira Says:

    Pois é Fernando. Este positivismo que talvez deixasse Comte mesmo desapontado é um pressuposto que raramente é questionado. Abraços e apareça!

  3. Tyrannosaurus Says:

    As opiniões de uma determinada Igreja interessam somente a seus seguidores, não interessam a seguidores de outras Igrejas e muito menos a não-crentes. O Estado brasileiro é laico, ou seja, o Estado não se mete nos assuntos internos de nenhuma Igreja e vice-versa.

  4. G. Ferreira Says:

    Tyrannosaurus.
    De fato, as ingerências que você comenta (Igreja Católica – outras igrejas e Igreja Católica – Estado) estão aqui fora de questão, muito embora, enquanto cidadãos, os católicos têm todo o direito de opinarem sobre qualquer assunto de interesse nacional. Entretanto, o que está em jogo no post é a lógica por trás do debate, que tem sido obstinadamente negada e a pergunta principal, da qual se insiste em fugir.

    Abraços.

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  8. kokoko Says:

    q blog mais besta

  9. G. Ferreira Says:

    Ok. Agora só falta dizer o porquê.

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